O Brasil assumiu em 2015, durante a Conferência da ONU (Organização das Nações Unidas), o compromisso em universalizar o acesso à água potável e o saneamento básico a todos os brasileiros até o ano de 2030. Sempre foi de conhecimento geral a complexidade do tema e as dificuldades que o país enfrentaria para alcançar esta meta.
Desde então, recorrentemente o tema vem sendo debatido, ocasionando muita polêmica pelos prós e contras de qualquer inovação no sentido. Entre idas e vindas, o Senado Federal aprovou, no dia 24 de junho, o Novo Marco Legal do Saneamento Básico, que como de praxe, está gerando grandes embates nas redes sociais e no meio político como um todo.
O Projeto tem como escopo a unificação de quatro grandes pilares, essenciais para a melhora da qualidade de vida da população urbana brasileira, sendo eles: Abastecimento de Água Potável, Coleta e Tratamento de Esgoto, Limpeza Urbana e Redução e Reciclagem de Lixo. A principal inovação presente no Marco, consiste na regulamentação da atuação da iniciativa privada na prestação do serviço. O Projeto de Lei define que os estados e municípios deverão licitar os serviços e empresas públicas e privadas poderão disputar. Este, prevê ainda a possibilidade dos municípios de unirem em blocos para a contratação e estabelece, regras para a continuidade dos serviços atuais, pelos prestadores públicos e privados, desde que comprovem a capacidade de atingirem as metas estabelecidas para 2030.
Embora a questão tratada seja de debate corriqueiro, a rapidez em que o projeto finalizou a tramitação e o momento complexo atravessado pelo país, me causa uma inquietação inicial sobre o principal propósito do governo na aprovação. Pela estimativa de investimento de cerca de 700 Bilhões de reais em sua implementação, fica evidente uma política Keynesiana do Ministro da Economia, Paulo Guedes, para a retomada do crescimento econômico brasileiro e se tratando de uma matéria tão importante, todo o foco deve se ater à necessidade sanitária da população do nosso país.
Outra preocupação está relacionada ao risco da cartelização do serviço em poucas empresas privadas, uma vez que as cláusulas de barreiras são altas, devido à complexidade e custos elevados de operação, colocando em xeque a concorrência que poderá ser benéfica para a melhoria dos serviços. Também cabe ressaltar que grande parte dos municípios não são rentáveis o que afasta o interesse da iniciativa privada. Neste caso, um bom acompanhamento e planejamento da ANA (Agencia Nacional das Águas) junto aos consórcios, se faz necessário, assim como a ANTT (Agencia Nacional dos Transportes Terrestres), faz a gestão das linhas rodoviárias.
Por outro lado, a versão final do projeto aprovado introduz a iniciativa privada como uma ferramenta a mais na mesa dos gestores, pois não obrigatoriamente será necessário privatizar o que já funciona, com possibilidade de repactuação contratual com as autarquias e empresas públicas que já atuam com eficiência, sem a necessidade inicial da licitação. Outro ponto interessante que observo, é a possibilidade de uma autarquia, como o DAAE de Araraquara uma instituição antiga, renomada e estruturada, se tornar uma empresa pública e disputar licitações na região, expandindo ainda mais sua estrutura, obtendo o ganho de escala através dos consórcios e melhorando ainda mais a qualidade dos serviços prestados.
Comecei a acompanhar com mais profundidade o tema, no início de 2019, enquanto auxiliava na elaboração do Plano Municipal de Saneamento Básico e o Código Sanitário Municipal de um pequeno município mineiro em que trabalhava. Mesmo buscando uma atuação conjunta à FUNASA (Fundação Nacional da Saúde), as medidas de aprimoramento necessárias eram praticamente impossíveis de serem implementadas em sua totalidade pelo município e pela COPASA, uma das três companhias de saneamento básico do estado, que não possui estrutura nem recursos suficientes.
Enfim, talvez a forma e a qualidade final da medida não sejam as ideais, no entanto, mesmo com possíveis aumentos no valor do serviço, podendo ser equilibrado com subsídios federais, melhorias significativas certamente ocorrerão para os 100 milhões de Brasileiros que não tem acesso à rede de esgoto para um saneamento digno e para os 34 milhões que não possuem água potável em sua residência (dados do Governo Federal). Além do mais, este marco e o assunto em geral, deve ser visto como um aprimoramento constante por parte da sociedade, onde o único debate que não é bem-vindo é aquele radical, cegado pelo ideologismo político, que impossibilita a visão ampla do tema.
Charles Vinícius é Administrador Público formado pela UNESP, Consultor em Gestão da Evoluta Administração
Artigo originalmente publicado no Blog do AFTM https://blogdoaftm.com.br/novo-marco-legal-do-saneamento-basico/
© Direitos Autorais
Receba em seu e-mail nossa newsletter
Com as principais inovações e notícias da administração pública