O que leva alguém decidir aglomerar pessoas em um determinado território? Aqui conto uma experiência em Humaitá, no interior do Amazonas 

Por Matheus Delbon

 

De onde vêm nossas cidades? É provável que você, assim como eu, tenha estudado a história de nossa cidade na escola. Mas não é a esta origem que me refiro e sim ao fato de alguém, em um algum momento, decidir aglomerar pessoas em um determinado território.   

Há algum tempo atrás eu prestava consultoria no município de Humaitá, no interior do Amazonas. Minha jornada, que se repetia mensalmente, tinha início no aeroporto de Porto Velho, em Rondônia. Eu pegava um taxi para percorrer cerca de 200 quilômetros pela BR 319, estrada cujos apelidos desanimadores eram “estrada fantasma” ou “estrada que a floresta engoliu”.   

Mas, antes que venha à sua mente as diversas reportagens feitas todos os anos de caminhões e carros em meio a um atoleiro nesta rodovia, informo que o trecho que percorria até sua bifurcação com a Transamazônica era asfaltado e bem conservado. A viagem era longa, o que em geral proporcionava uma boa conversa com os taxistas.   

Era habitual eles fazerem a pergunta padrão inicial: o que faz por estas bandas? Um certo dia, um deles, ao responder que eu era administrador público, abriu um sorriso e começou a contar sobre uma cidade que estava tentando fundar, e se eu poderia dar algumas dicas. Isso mesmo: ele estava fundando uma cidade naquela imensa vastidão de terras despovoadas da Amazônia. E logo assumi as perguntas para entender o porquê e o que ele vinha fazendo.   

Contou que tinha a intensão de um dia ser prefeito. E, como em Porto Velho seria muito difícil, decidiu criar sua própria cidade. Comprou uma gleba de terra (vale lembrar que por lá o valor da terra ainda é baixo) e “doou” – entre aspas, pois estas áreas não possuem escritura, apenas um contrato, sem valor legal – lotes a algumas famílias, que eram autorizadas a terem pequenas áreas para agricultura, bem como abrir estabelecimentos comerciais. E que estava feliz, pois já tinha um boteco, uma pequena venda de mantimentos e a chegada de uma igreja evangélica, que estava se instalando.   

Disse que não estava convidando qualquer um para sua “cidade”, pois em Porto Velho havia muita gente sem lugar para morar e sem emprego. Afirmou que buscava pessoas que pudessem interagir com as que já estavam lá, criando ocupações para estes na cidadela e formando a “economia local”.  

E assim continuou. Contou em seguida suas façanhas de bom gestor, que criara uma associação e assim poderia recolher “contribuição” (olha aí nascendo o IPTU!) e com isto conseguir perfurar um poço e ratear as despesas de energia e outras, incluindo seu salário de “prefeito”.   

Também disse que estava montando uma serraria para fornecer madeira para construção das casas, para assim baratear a instalação das novas famílias. E que logo atingiria seu objetivo, que era regularizar a área de início como um distrito, podendo lotear legalmente suas terras para venda, recuperando seu investimento. E quem sabe um dia conseguir a emancipação, ser um influente político local e ainda sonhar com o repasse das verbas federais.   

Fiquei fascinado com as histórias que ouvia. Era como mergulhar na origem de nosso país. Podemos ver os elementos reais que motivam a fundação de uma cidade, o espírito de liderança e empreendedorismo para valorizar suas terras, o deslocamento de pessoas buscando uma vida melhor, ou fugir da miséria, ter sua casa, poder trabalha.   

Há ainda a busca por soluções conjuntas para problemas da administração pública, como a coleta do lixo e a infraestrutura para escoamento do esgoto, entre outras questões urbanas.   

Fiquei lembrando as histórias de minha avó e como seu pai havia participado da fundação de Dracena, aqui em nosso estado. Estavam lá os mesmos elementos, mas de outra época. Mas esta história fica para uma próxima conversa. 

 

* Esta crônica que você está lendo faz parte do livro “CIDADES EFICIENTES: Crônicas da administração pública”, de autoria de Matheus Delbon.

O autor gentilmente autorizou a republicação deste texto, desde que a fonte seja devidamente citada e o conteúdo não seja alterado ou adaptado de qualquer forma.

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