O período eleitoral é um momento crucial para a democracia, mas também um período de particular sensibilidade para a administração pública. As inaugurações de obras e a realização de licitações durante este período são temas que frequentemente geram dúvidas e controvérsias. Este artigo tem como objetivo esclarecer o que é permitido e o que deve ser evitado em relação a inaugurações e licitações durante o período eleitoral, fornecendo orientações práticas e fundamentadas para gestores públicos, servidores e cidadãos interessados.

1. O Contexto Legal do Período Eleitoral

1.1 A Lei das Eleições

A Lei nº 9.504/1997, conhecida como Lei das Eleições, é o principal marco legal que estabelece as regras e restrições para o período eleitoral. Ela define uma série de condutas vedadas aos agentes públicos, com o objetivo de garantir a igualdade de oportunidades entre os candidatos e prevenir o uso da máquina pública para fins eleitorais.

1.2 Período de Restrições

O período de restrições mais intensas geralmente se inicia três meses antes do primeiro turno das eleições e se estende até a realização do pleito. Em 2024, por exemplo, considerando que as eleições municipais ocorrerão em outubro, o período de maiores restrições começará em julho.

1.3 Princípios Norteadores

As restrições impostas pela legislação eleitoral são baseadas em princípios fundamentais:

Igualdade de oportunidades entre os candidatos
Neutralidade dos agentes públicos
Normalidade e legitimidade das eleições
Moralidade administrativa

2. Inaugurações em Período Eleitoral

2.1 Restrições Legais

O artigo 77 da Lei das Eleições estabelece uma restrição clara em relação às inaugurações:
“É proibido a qualquer candidato comparecer, nos 3 (três) meses que precedem o pleito, a inaugurações de obras públicas.”
Esta proibição visa evitar que inaugurações sejam usadas como palanque eleitoral, garantindo a igualdade de oportunidades entre os candidatos.

2.2 O que é Permitido

Apesar da restrição, é importante notar que:

As inaugurações em si não são proibidas
Servidores públicos não candidatos podem participar das inaugurações
A obra pode entrar em funcionamento normalmente

2.3 O que Deve Ser Evitado

Para garantir conformidade com a legislação eleitoral, deve-se evitar:

A presença de candidatos nas inaugurações
A utilização de símbolos, cores ou slogans de campanha nas cerimônias
Discursos com conotação eleitoral durante as inaugurações
A divulgação de inaugurações como realizações pessoais de candidatos ou gestores

2.4 Casos Especiais

Existem algumas situações que merecem atenção especial:

Obras realizadas em parceria entre diferentes entes federativos
Inaugurações de obras privadas com participação do poder público
Cerimônias de entrega de equipamentos ou veículos

Em todos esses casos, é recomendável consultar a Justiça Eleitoral ou o departamento jurídico do órgão para orientações específicas.

3. Licitações em Período Eleitoral

3.1 Continuidade das Licitações

Ao contrário do que muitos pensam, as licitações não precisam ser suspensas durante o período eleitoral. A continuidade dos processos licitatórios é importante para garantir o funcionamento da administração pública e a prestação de serviços essenciais à população.

3.2 Restrições Específicas

Embora as licitações possam continuar, existem algumas restrições específicas:

Vedação à transferência voluntária de recursos entre os entes federativos nos três meses que antecedem o pleito (Art. 73, VI, ‘a’ da Lei 9.504/97)
Proibição de distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública (Art. 73, §10 da Lei 9.504/97)
Limitações à publicidade institucional nos três meses que antecedem o pleito (Art. 73, VI, ‘b’ da Lei 9.504/97)

3.3 O que é Permitido

Durante o período eleitoral, é permitido:

Dar continuidade a licitações em andamento
Iniciar novos processos licitatórios para contratações essenciais
Realizar licitações para obras e serviços previstos no orçamento e com cronograma prefixado
Executar contratos já firmados

3.4 O que Deve Ser Evitado

Para garantir a lisura do processo eleitoral, deve-se evitar:

Iniciar licitações para obras ou serviços que não possam ser concluídos antes das eleições, exceto se estritamente necessários
Realizar licitações que possam ser interpretadas como tentativa de influenciar o eleitorado
Alterar cronogramas de obras ou serviços para coincidir com o período eleitoral
Utilizar processos licitatórios como forma de promover candidatos ou partidos

4. Boas Práticas para Licitações em Período Eleitoral

4.1 Planejamento Antecipado

O planejamento antecipado é crucial para evitar problemas durante o período eleitoral:

Elaborar o Plano Anual de Contratações considerando as restrições do período eleitoral
Antecipar, quando possível, licitações essenciais para antes do período de restrições
Planejar cuidadosamente o cronograma de execução das obras e serviços
Prever no orçamento as despesas necessárias para a continuidade dos serviços essenciais

4.2 Transparência Reforçada

A transparência é ainda mais importante durante o período eleitoral:

Publicar de forma clara e detalhada todas as informações sobre as licitações em andamento
Disponibilizar canais para questionamentos e esclarecimentos sobre os processos licitatórios
Realizar audiências públicas para discutir contratações de grande vulto
Manter registros detalhados de todas as decisões tomadas durante os processos licitatórios

4.3 Impessoalidade nas Comunicações

As comunicações relacionadas às licitações devem ser estritamente impessoais:

Evitar menções a nomes de gestores ou candidatos nos editais e comunicados
Não utilizar símbolos, cores ou slogans que possam ser associados a partidos ou candidatos
Manter um tom técnico e objetivo em todas as comunicações oficiais
Restringir a publicidade aos limites do estritamente necessário e legal

4.4 Consulta aos Órgãos de Controle

Em caso de dúvidas, é recomendável consultar os órgãos de controle:

Solicitar pareceres da assessoria jurídica do órgão sobre casos complexos
Consultar o Tribunal de Contas sobre a legalidade de certas contratações
Buscar orientações da Justiça Eleitoral em casos de dúvida sobre a aplicação da legislação eleitoral
Manter diálogo constante com o controle interno do órgão

5. Desafios Específicos em Licitações Durante o Período Eleitoral

5.1 Obras em Andamento

As obras em andamento representam um desafio particular:

Continuidade da execução sem interrupções injustificadas
Cuidados com a publicidade das obras durante o período de restrições
Gestão de contratos que se estendem além do período eleitoral
Lidar com possíveis pressões para acelerar ou retardar a conclusão das obras

5.2 Contratações Emergenciais

As contratações emergenciais requerem atenção especial:

Justificar de forma robusta a necessidade da contratação emergencial
Garantir que a emergência não decorra de falta de planejamento
Limitar a contratação ao estritamente necessário para atender à situação emergencial
Documentar detalhadamente todo o processo de contratação

5.3 Licitações de Grande Vulto

As licitações de grande vulto merecem cuidados adicionais:

Avaliar cuidadosamente a oportunidade e conveniência de iniciar o processo durante o período eleitoral
Reforçar os mecanismos de transparência e controle social
Considerar a realização de consultas ou audiências públicas
Estar preparado para um maior escrutínio da mídia e da sociedade civil

5.4 Término de Contratos

O término de contratos durante o período eleitoral pode ser desafiador:

Planejar com antecedência as licitações para substituição dos contratos que se encerram
Avaliar a possibilidade e legalidade de prorrogações contratuais
Garantir a continuidade dos serviços essenciais
Documentar detalhadamente as decisões tomadas em relação aos contratos que se encerram

6. O Papel dos Agentes Públicos

6.1 Gestores Públicos

Os gestores públicos têm responsabilidades específicas:

Garantir o cumprimento da legislação eleitoral e de licitações
Orientar a equipe sobre as condutas permitidas e vedadas durante o período eleitoral
Tomar decisões baseadas em critérios técnicos e no interesse público
Estar preparado para justificar as decisões tomadas perante os órgãos de controle

6.2 Servidores da Área de Licitações

Os servidores da área de licitações devem:

Manter-se atualizados sobre a legislação eleitoral e suas implicações nas licitações
Conduzir os processos licitatórios com estrita observância aos princípios da impessoalidade e isonomia
Documentar detalhadamente todas as etapas dos processos licitatórios
Reportar quaisquer tentativas de interferência indevida nos processos

6.3 Assessoria Jurídica

A assessoria jurídica desempenha um papel crucial:

Emitir pareceres sobre a legalidade das licitações e contratações durante o período eleitoral
Orientar os gestores sobre a interpretação da legislação eleitoral
Analisar a conformidade dos editais e contratos com as restrições do período eleitoral
Auxiliar na elaboração de respostas a questionamentos dos órgãos de controle

6.4 Controle Interno

O controle interno tem um papel preventivo importante:

Monitorar a conformidade das com a legislação eleitoral
2. Realizar auditorias preventivas nos processos licitatórios
3. Emitir orientações e recomendações sobre condutas adequadas durante o período eleitoral
4. Atuar como ponte entre o órgão e os órgãos de controle externo

7. Aspectos Específicos de Diferentes Tipos de Licitações

7.1 Pregão Eletrônico

O pregão eletrônico, por sua natureza mais transparente e impessoal, tende a ser menos problemático durante o período eleitoral. No entanto, alguns cuidados são necessários:

Garantir que as especificações técnicas não direcionem para um fornecedor específico
Manter registros detalhados de todas as etapas do processo, incluindo a sessão pública
Estar atento a possíveis tentativas de fraude ou conluio entre licitantes
Justificar tecnicamente quaisquer desclassificações ou inabilitações

7.2 Concorrência Pública

As concorrências públicas, especialmente para obras de grande porte, requerem atenção especial:

Avaliar cuidadosamente a oportunidade de iniciar o processo durante o período eleitoral
Reforçar os mecanismos de publicidade e transparência
Considerar a realização de audiências públicas, mesmo quando não obrigatórias por lei
Documentar detalhadamente todas as decisões da comissão de licitação

7.3 Dispensa e Inexigibilidade

As contratações diretas por dispensa ou inexigibilidade de licitação merecem cuidado redobrado:

Justificar de forma robusta e detalhada a necessidade da contratação direta
Demonstrar a adequação do preço aos valores de mercado
Publicar tempestivamente todos os atos relacionados à contratação
Estar preparado para um possível maior escrutínio dos órgãos de controle

7.4 Registro de Preços

O Sistema de Registro de Preços pode ser uma ferramenta útil durante o período eleitoral:

Permite maior flexibilidade na contratação, adequando-se às restrições do período
Possibilita o planejamento de contratações futuras sem comprometimento imediato de recursos
Requer atenção às quantidades estimadas para evitar acusações de superestimativa
Demanda cuidado na adesão a atas de outros órgãos (caronas) durante o período eleitoral

8. Publicidade e Comunicação

8.1 Restrições à Publicidade Institucional

A Lei Eleitoral impõe restrições à publicidade institucional nos três meses que antecedem o pleito:

É proibida a publicidade institucional, exceto em caso de grave e urgente necessidade pública
A publicidade legal (como a publicação de editais de licitação) não é afetada por esta restrição
Deve-se ter cuidado para não caracterizar promoção pessoal de agentes públicos
As informações técnicas sobre as licitações devem continuar sendo divulgadas normalmente

8.2 Comunicação sobre Licitações

A comunicação sobre licitações deve ser estritamente técnica e impessoal:

Utilizar linguagem clara e objetiva nos editais e comunicados
Evitar menções a realizações de gestões específicas
Manter o foco nas informações essenciais para os licitantes e para o controle social
Utilizar os canais oficiais de comunicação, evitando o uso de mídias sociais pessoais

8.3 Transparência Ativa

A transparência ativa deve ser reforçada durante o período eleitoral:

Disponibilizar proativamente todas as informações sobre licitações em andamento
Manter atualizados os portais de transparência
Facilitar o acesso às informações sobre contratos em execução
Publicar relatórios periódicos sobre o andamento das obras e serviços contratados

9. Fiscalização e Controle

9.1 Atuação dos Tribunais de Contas

Os Tribunais de Contas tendem a intensificar sua atuação durante o período eleitoral:

Realização de auditorias concomitantes em licitações de grande vulto
Emissão de alertas e recomendações sobre condutas adequadas durante o período eleitoral
Análise mais rigorosa dos editais e contratos
Atenção especial a denúncias e representações relacionadas a licitações

9.2 Papel do Ministério Público

O Ministério Público, tanto o comum quanto o eleitoral, tem um papel importante:

Investigação de denúncias sobre irregularidades em licitações
Proposição de ações civis públicas em casos de improbidade administrativa
Fiscalização do cumprimento das restrições eleitorais nas contratações públicas
Atuação preventiva através de recomendações aos gestores públicos

9.3 Controle Social

O controle social tende a se intensificar durante o período eleitoral:

Maior atenção da mídia e da sociedade civil às contratações públicas
Aumento no número de pedidos de acesso à informação
Maior participação em audiências públicas sobre licitações
Utilização de redes sociais para discussão e questionamento de contratações públicas

10. Preparação para o Cenário Pós-Eleitoral

10.1 Transição de Governo

Em caso de mudança de gestão, é importante preparar a transição:

Manter documentação organizada de todas as licitações e contratos em andamento
Preparar relatórios detalhados sobre o status das obras e serviços contratados
Documentar as decisões tomadas durante o período eleitoral e suas justificativas
Estar preparado para prestar esclarecimentos à nova gestão sobre as contratações realizadas

10.2 Continuidade Administrativa

A continuidade administrativa deve ser assegurada:

Manter o planejamento das contratações para o próximo exercício
Garantir a continuidade dos serviços essenciais
Preservar o conhecimento institucional sobre os processos licitatórios
Estar preparado para adaptar-se a possíveis novas diretrizes da gestão eleita

Conclusão

Navegar pelas complexidades das inaugurações e licitações durante o período eleitoral requer um equilíbrio delicado entre a continuidade da administração pública e o respeito às restrições legais. Embora existam limitações significativas, especialmente no que diz respeito às inaugurações e à publicidade, é importante ressaltar que as licitações podem e devem continuar durante este período.
A chave para uma gestão bem-sucedida durante o período eleitoral está no planejamento antecipado, na transparência reforçada, na impessoalidade das ações e na estrita observância da legislação. Os gestores públicos devem estar preparados para um escrutínio mais intenso de suas ações, mantendo sempre o foco no interesse público e na continuidade dos serviços essenciais.
É crucial que todos os envolvidos nos processos de contratação pública – gestores, servidores, fornecedores e cidadãos – compreendam as regras específicas do período eleitoral. Isso não apenas garante a conformidade legal, mas também contribui para a integridade do processo democrático e para a manutenção da confiança pública nas instituições.
Por fim, é importante lembrar que o período eleitoral, embora desafiador, é temporário. As práticas de boa governança, transparência e eficiência na gestão pública devem ser constantes, transcendendo períodos eleitorais e contribuindo para uma administração pública mais eficaz e responsiva às necessidades da sociedade.

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