O período eleitoral é um momento crucial para a democracia, mas também um período que gera muitas dúvidas e incertezas no âmbito da administração pública, especialmente no que diz respeito às licitações. É comum que gestores públicos, servidores e até mesmo fornecedores se questionem sobre o que é permitido ou não em termos de contratações públicas durante esse período sensível. Este artigo tem como objetivo esclarecer os principais mitos e verdades relacionados às licitações em período eleitoral, fornecendo uma análise aprofundada e tecnicamente fundamentada sobre o tema.

O Arcabouço Legal das Licitações em Período Eleitoral

Antes de adentrarmos nos mitos e verdades propriamente ditos, é fundamental compreender o arcabouço legal que rege as licitações durante o período eleitoral. A legislação principal que trata deste assunto é a Lei nº 9.504/1997, conhecida como Lei das Eleições. Esta lei estabelece normas para as eleições e também traz disposições que afetam diretamente a administração pública durante o período eleitoral.

Além da Lei das Eleições, é importante considerar:

  • A Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal)
  • A Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos)
  • Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
  • Jurisprudência dos Tribunais de Contas

Esse conjunto normativo forma a base para entendermos o que realmente pode ou não ser feito em termos de licitações durante o período eleitoral.

Mito 1: Todas as Licitações Devem Ser Suspensas Durante o Período Eleitoral

Este é provavelmente o mito mais comum e mais prejudicial à administração pública. Muitos acreditam que, durante o período eleitoral, todas as licitações devem ser suspensas. Esta crença não tem fundamento legal e pode, na verdade, prejudicar seriamente o funcionamento da máquina pública.

Verdade: As licitações podem e devem continuar normalmente durante o período eleitoral.

Fundamentação:

A Lei das Eleições não traz nenhuma vedação expressa à realização de licitações durante o período eleitoral. O que a lei proíbe, em seu artigo 73, são condutas que possam afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos. Entre essas condutas, não está a realização de licitações.

Além disso, a suspensão generalizada de licitações poderia configurar uma violação ao princípio da continuidade do serviço público, previsto no artigo 6º, §3º da Lei nº 8.987/1995. Este princípio estabelece que os serviços públicos devem ser prestados de forma contínua, sem interrupções injustificadas.

Mito 2: Não Se Pode Iniciar Novas Licitações no Período Eleitoral

Outro mito comum é a crença de que, embora as licitações em andamento possam continuar, não se pode iniciar novos processos licitatórios durante o período eleitoral.

Verdade: Novos processos licitatórios podem ser iniciados durante o período eleitoral, desde que respeitadas as restrições legais específicas.

Fundamentação:

A Lei das Eleições não proíbe o início de novos processos licitatórios. O que ela restringe, em seu artigo 73, VI, ‘a’, são as transferências voluntárias de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, nos três meses que antecedem o pleito, exceto para as obrigações formais preexistentes para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado.

Isso significa que novas licitações podem ser iniciadas, desde que não dependam dessas transferências voluntárias. Além disso, a Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) reforça a importância do planejamento contínuo das contratações públicas, através do Plano de Contratações Anual (PCA), que deve ser elaborado e executado independentemente do período eleitoral.

Mito 3: Licitações de Publicidade São Totalmente Proibidas no Período Eleitoral

Existe uma crença generalizada de que todas as licitações relacionadas à publicidade são proibidas durante o período eleitoral.

Verdade: Licitações de publicidade não são totalmente proibidas, mas estão sujeitas a restrições específicas.

Fundamentação:

A Lei das Eleições, em seu artigo 73, VII, estabelece limites para os gastos com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais no primeiro semestre do ano de eleição. Esses gastos não podem exceder a média dos gastos no primeiro semestre dos três últimos anos que antecedem o pleito.

Isso significa que licitações de publicidade podem ocorrer, desde que respeitem esse limite. Além disso, nos três meses que antecedem o pleito, a lei proíbe a veiculação de publicidade institucional, exceto em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral.

É importante notar que essas restrições se aplicam à publicidade institucional, não afetando a publicidade legal (como a publicação de editais de licitação, por exemplo) ou a publicidade de utilidade pública em casos de urgência.

Mito 4: Não Se Pode Assinar Contratos Resultantes de Licitações Durante o Período Eleitoral

Muitos gestores acreditam que, mesmo que a licitação tenha sido realizada antes do período eleitoral, não se pode assinar o contrato resultante durante esse período.

Verdade: Contratos resultantes de licitações podem ser assinados durante o período eleitoral, com algumas ressalvas.

Fundamentação:

A Lei das Eleições não proíbe a assinatura de contratos durante o período eleitoral. No entanto, é preciso observar algumas restrições:

  1. Nos três meses que antecedem o pleito, é vedada a contratação de shows artísticos pagos com recursos públicos para inaugurações (Art. 75 da Lei 9.504/1997).
  2. Nos três meses que antecedem o pleito até a posse dos eleitos, é proibida a contratação de servidores públicos, exceto nos casos previstos em lei (Art. 73, V da Lei 9.504/1997).
  3. É preciso observar as restrições da Lei de Responsabilidade Fiscal quanto à assunção de despesas nos últimos dois quadrimestres do mandato (Art. 42 da LC 101/2000).

Fora dessas situações específicas, a assinatura de contratos resultantes de licitações pode ocorrer normalmente durante o período eleitoral.

Mito 5: Licitações para Obras Públicas São Proibidas no Período Eleitoral

Existe uma crença comum de que licitações para obras públicas são totalmente proibidas durante o período eleitoral.

Verdade: Licitações para obras públicas podem ser realizadas durante o período eleitoral, mas com algumas restrições.

Fundamentação:

A Lei das Eleições não proíbe a realização de licitações para obras públicas durante o período eleitoral. No entanto, existem algumas restrições importantes:

  1. Nos três meses que antecedem o pleito, é vedado realizar transferências voluntárias de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, exceto para as obrigações formais preexistentes para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado (Art. 73, VI, ‘a’ da Lei 9.504/1997).
  2. Nos três meses que antecedem o pleito, é proibido inaugurar obras públicas (Art. 77 da Lei 9.504/1997).

Isso significa que licitações para obras públicas podem ser realizadas, desde que não dependam de transferências voluntárias proibidas e que a inauguração não ocorra nos três meses que antecedem o pleito. Além disso, obras em andamento podem continuar normalmente.

Mito 6: O Plano de Contratações Anual (PCA) Deve Ser Suspenso Durante o Período Eleitoral

Com a introdução do Plano de Contratações Anual (PCA) pela Nova Lei de Licitações, surgiu o mito de que este plano deve ser suspenso durante o período eleitoral.

Verdade: O Plano de Contratações Anual deve continuar sendo executado normalmente durante o período eleitoral.

Fundamentação:

O Plano de Contratações Anual, introduzido pelo artigo 12 da Lei nº 14.133/2021, é um instrumento de planejamento das contratações dos órgãos e entidades da Administração Pública. Ele deve ser elaborado anualmente, com o objetivo de racionalizar as contratações dos órgãos e entidades sob sua competência, garantir o alinhamento com o planejamento estratégico e subsidiar a elaboração das respectivas leis orçamentárias.

A lei não prevê nenhuma suspensão ou alteração do PCA durante o período eleitoral. Pelo contrário, a continuidade da execução do PCA é fundamental para garantir a eficiência e a continuidade dos serviços públicos.

Além disso, o PCA é um instrumento de planejamento de longo prazo, que transcende períodos eleitorais específicos. Sua suspensão poderia comprometer seriamente o funcionamento da administração pública.

Mito 7: Pagamentos de Contratos em Andamento Devem Ser Suspensos Durante o Período Eleitoral

Existe uma crença errônea de que os pagamentos de contratos em andamento devem ser suspensos durante o período eleitoral.

Verdade: Os pagamentos de contratos em andamento devem continuar normalmente durante o período eleitoral.

Fundamentação:

A Lei das Eleições não traz nenhuma vedação aos pagamentos de contratos em andamento durante o período eleitoral. Pelo contrário, a suspensão desses pagamentos poderia configurar:

  1. Violação ao princípio da continuidade do serviço público (Art. 6º, §3º da Lei 8.987/1995).
  2. Quebra de contrato por parte da Administração Pública, podendo gerar responsabilização.
  3. Violação à ordem cronológica de pagamentos, prevista no artigo 141 da Lei nº 14.133/2021.

Além disso, a Nova Lei de Licitações reforça a importância do cumprimento das obrigações contratuais por parte da Administração Pública, incluindo os pagamentos devidos. O artigo 141 estabelece que é crime ordenar despesa não autorizada por lei, o que poderia ocorrer caso houvesse uma suspensão injustificada de pagamentos.

Mito 8: Não Se Pode Realizar Pregões Eletrônicos Durante o Período Eleitoral

Alguns acreditam que a modalidade de pregão eletrônico não pode ser utilizada durante o período eleitoral.

Verdade: Pregões eletrônicos podem ser realizados normalmente durante o período eleitoral.

Fundamentação:

Não há nenhuma restrição legal à realização de pregões eletrônicos durante o período eleitoral. O pregão eletrônico, regulamentado pelo Decreto nº 10.024/2019, é uma modalidade de licitação que visa a aquisição de bens e a contratação de serviços comuns, incluindo os serviços comuns de engenharia.

A utilização do pregão eletrônico durante o período eleitoral é não só permitida, como também recomendada, pois esta modalidade proporciona:

  1. Maior transparência ao processo licitatório, o que é especialmente importante durante o período eleitoral.
  2. Ampliação da competitividade, permitindo a participação de fornecedores de diferentes localidades.
  3. Economia para a Administração Pública, devido à possibilidade de disputa de lances em tempo real.
  4. Redução do contato presencial entre os participantes, o que pode ser visto como uma vantagem adicional em termos de imparcialidade durante o período eleitoral.

Portanto, não só é permitido, mas é altamente recomendável que os pregões eletrônicos continuem sendo realizados normalmente durante o período eleitoral, respeitando-se, é claro, as demais restrições legais aplicáveis a todas as modalidades de licitação

Mito 9: Contratações Diretas São Totalmente Proibidas Durante o Período Eleitoral

Existe uma crença equivocada de que todas as formas de contratação direta licitação são proibidas durante o período eleitoral.

Verdade: Contratações diretas podem ser realizadas durante o período eleitoral, desde que cumpridos os requisitos legais.

Fundamentação:

A Lei das Eleições não traz nenhuma vedação específica às contratações diretas durante o período eleitoral. As hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação, previstas nos artigos 74 e 75 da Lei nº 14.133/2021, continuam válidas e aplicáveis durante esse período.

No entanto, é importante observar que:

  1. As contratações diretas devem sempre ser devidamente justificadas e fundamentadas, conforme exige a lei.
  2. Durante o período eleitoral, deve-se ter um cuidado redobrado para garantir que a contratação direta não configure favorecimento a determinado candidato ou partido político.
  3. As restrições gerais da Lei das Eleições, como a proibição de transferências voluntárias nos três meses que antecedem o pleito, também se aplicam às contratações diretas.
  4. Em casos de contratação direta por emergência, é fundamental que a situação emergencial seja real e comprovada, não podendo ser utilizada como subterfúgio para burlar as restrições do período eleitoral.

Portanto, as contratações diretas podem e devem ser realizadas quando necessárias e legalmente justificadas, mesmo durante o período eleitoral.

Mito 10: Todas as Licitações Devem Ser Canceladas com a Mudança de Gestão Após as Eleições

Existe uma crença errônea de que, com a mudança de gestão após as eleições, todas as licitações em andamento ou recentemente concluídas devem ser canceladas.

Verdade: As licitações não devem ser automaticamente canceladas com a mudança de gestão, mas podem ser revisadas se houver justificativa legal para tal.

Fundamentação:

O princípio da continuidade do serviço público, já mencionado anteriormente, se aplica também neste caso. A mudança de gestão não é, por si só, motivo para cancelar licitações ou contratos em andamento. A Administração Pública tem caráter permanente e transcende as gestões individuais.

No entanto, a nova gestão tem o direito e o dever de revisar os processos em andamento para garantir sua legalidade e alinhamento com as políticas públicas que pretende implementar. Isso pode resultar em:

  1. Continuidade das licitações e contratos que estejam em conformidade com a lei e com o interesse público.
  2. Revisão e possível alteração de licitações e contratos, dentro dos limites legais, para melhor atender ao interesse público.
  3. Cancelamento de licitações ou rescisão de contratos apenas em casos de ilegalidade comprovada ou de clara contrariedade ao interesse público, sempre com a devida motivação e respeitando o direito ao contraditório e à ampla defesa.

É importante ressaltar que qualquer alteração ou cancelamento deve ser devidamente justificado e fundamentado, não podendo ser baseado apenas em preferências pessoais ou políticas da nova gestão.

Conclusão

As licitações durante o período eleitoral são um tema complexo e frequentemente mal compreendido. Como vimos ao longo deste artigo, muitos dos mitos comuns sobre o assunto não têm fundamento legal. Na verdade, a continuidade dos processos licitatórios durante o período eleitoral é não apenas permitida, mas necessária para o bom funcionamento da administração pública.

No entanto, é crucial que os gestores públicos e servidores envolvidos nos processos de contratação estejam atentos às restrições específicas impostas pela legislação eleitoral. Estas restrições visam garantir a isonomia entre os candidatos e prevenir o uso da máquina pública para fins eleitorais, mas não devem ser interpretadas de forma a paralisar a administração.

A chave para navegar com sucesso pelas licitações durante o período eleitoral está no planejamento adequado, no conhecimento aprofundado da legislação aplicável e na transparência de todos os processos. Os gestores devem estar preparados para justificar suas decisões e demonstrar que as contratações realizadas atendem ao interesse público e não visam beneficiar candidatos ou partidos políticos.

É importante lembrar que o período eleitoral, embora sensível, não deve ser visto como um obstáculo intransponível para a administração pública. Pelo contrário, deve ser encarado como um momento de reafirmação dos princípios de impessoalidade, moralidade e eficiência que devem nortear todas as ações do poder público.

Por fim, recomenda-se que os gestores públicos busquem orientação jurídica especializada em casos de dúvida, e que mantenham uma comunicação clara e transparente com os órgãos de controle. Dessa forma, será possível garantir a continuidade dos serviços públicos e o respeito à legislação eleitoral, contribuindo para o fortalecimento da democracia e da boa gestão pública.

A Evoluta está preparada para oferecer o suporte necessário aos gestores públicos nesse período crucial, fornecendo consultoria especializada e soluções personalizadas para garantir que as licitações e contratações públicas sejam conduzidas de forma legal, eficiente e transparente, mesmo durante o sensível período eleitoral.

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