A rigidez de uma lei – que supostamente deveria combater o superfaturamento nas compras públicas, buscando a economia imediata – faz aumentar os gastos por lidar com produtos de baixa qualidade e durabilidade 

 Por Matheus Delbon

 

O sistema brasileiro de compras públicas – em especial o previsto em sua principal Lei, de nº 8.666, que só por seu número já deixaria os fãs de teorias apocalípticas receosos – é tido como um dos grandes mitos de bom governo. Isso acontece porque existe uma crença segundo a qual a corrupção seria afastada se todos os seus passos fossem fielmente seguidos. Dentro dessa mesma premissa, ser contrário a essa legislação é quase uma heresia. 

Quem convive com o poder público sabe que, basicamente, esta busca pelo melhor preço embora haja a possibilidade de licitarmos por preço e técnica constitui uma modalidade raramente utilizada. Mesmo quando empregada, muitas vezes traz um leve direcionamento. Mas, ter o melhor preço é ser eficiente? 

Vou compartilhar dois testes que desenvolvi ao longo de alguns anos trabalhando em prefeituras em todo país e que permitem identificar de imediato a seriedade de uma comissão de licitação. 

1- Teste do cafezinho: consiste em, ao entrar em um órgão público, tomar o mesmo cafezinho que os funcionários. Se for ruim, com pó de baixa qualidade, te obrigar a fazer careta ou ter que colocar mais açúcar para conseguir tomar, passou no teste! Temos uma equipe de licitação que realmente licitou o menor preço e conseguiu uma porcaria de produto, que talvez aumente os gastos com açúcar e ainda “colabore” com a saúde, aumentando os custos do tratamento de diabetes. Conheço diversos agentes públicos que possuem uma cafeteira e pó de café em suas salas, que compram honestamente com seu próprio dinheiro, para poderem ter o mínimo de prazer de se tomar uma boa xícara de café. 

2- Teste da assinatura: este segundo item poderia ser utilizado por qualquer auditoria ao analisar um contrato. Se a assinatura tem falha é porque foi assinada com uma caneta chinesa, comprada por uma licitação “séria”, que não dura nada e logo serão substituídas por outras da mesma qualidade. Tenho quase certeza que você já passou pela experiência de algum produto chinês e acabou gastando duas vezes. A diferença é que você, em sua vida privada, pode optar na próxima compra por um produto um pouco mais caro e mais eficiente. O poder público não. E olha que eu já vi muitas tentativas de se conseguir comprar canetas de qualidade por licitação, determinar no edital quantos quilômetros deveria a caneta escrever. Mas, sinceramente, como seria o teste em uma prefeitura pequena? Provavelmente iríamos colocar os “estagiários” para preencherem cadernos com linhas paralelas para depois calcularmos em quilômetros. Outra que achei criativa foi exigir que a caneta tivesse um “furinho” de respiro em seu corpo pois, supostamente, somente a “Bic” teria esse detalhe. Assim, conseguiriam uma boa caneta e excluiriam outras marcas boas. Mas mesmo assim esta estratégia durou pouco, pois logo os distribuidores brasileiros solicitaram aos fabricantes chineses que as canetas viessem com o tal “furinho”. 

Evidente que se trata de uma brincadeira, mas o problema é real. É assim que ocorre com quase todos os produtos e serviços adquiridos pela administração pública. Por rigidez de uma lei, que supostamente combate o superfaturamento nas compras públicas, buscando a “economia” imediata, os gastos aumentam pela aquisição de produtos de baixa qualidade e durabilidade. Então, eu te pergunto: na sua última ida ao supermercado, todos os itens de seu carrinho eram os mais baratos disponíveis? Se não, você já entendeu por que a lei de licitação é um mito que não gera eficiência. 

  

* Esta crônica que você está lendo faz parte do livro “CIDADES EFICIENTES: Crônicas da administração pública”, de autoria de Matheus Delbon.

O autor gentilmente autorizou a republicação deste texto, desde que a fonte seja devidamente citada e o conteúdo não seja alterado ou adaptado de qualquer forma.

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