A gestão de produtos tem se tornado uma carreira aspiracional, especialmente no setor de tecnologia. Um grupo de influenciadores populares nas mídias sociais regularmente oferece conselhos sobre o que é necessário para conseguir um emprego e ter sucesso nesta área. No entanto, seu conteúdo tende a glamourizar a profissão e negligenciar as realidades do dia a dia.

Isso é especialmente verdadeiro no contexto do serviço público brasileiro, onde os gestores de produtos enfrentam desafios únicos ao trabalhar dentro das restrições e burocracia do governo. Embora os princípios básicos da gestão de produtos sejam os mesmos, a aplicação deles em organizações governamentais requer um conjunto diferente de habilidades e abordagem.

Neste artigo, exploraremos os mitos e realidades de ser um gestor de produtos (Product Manager ou PM) no serviço público brasileiro. Compartilharei minha própria jornada na transição para essa função e as lições que aprendi ao longo do caminho. Também destacarei as habilidades e qualidades cruciais necessárias para o sucesso nesse papel único.

Minha Jornada para a Gestão de Produtos no Serviço Público Minha carreira me levou da engenharia de software na iniciativa privada para a gestão de marcas e consultoria analítica antes de fazer a transição para minha função atual de gestão de produtos no governo em 2021. Essas experiências em diferentes setores me mostraram como a tecnologia pode realmente mudar vidas e atuar como um grande facilitador, especialmente no serviço público. Decidi que mudar para uma função de PM era a minha chance de causar um grande impacto e contribuir para melhorar os serviços prestados aos cidadãos brasileiros.

No entanto, conseguir uma posição de PM no governo não foi fácil. Como eu não tinha “gestor de produtos” em meu currículo, foi difícil ser notado em um campo competitivo. No final, foi minha persistência em fazer networking e destacar minhas habilidades transferíveis que deram resultado.

Hoje sou PM com responsabilidade por dois produtos relacionados a serviços digitais para cidadãos. Mas rapidamente percebi, quando comecei, que o trabalho real era bem diferente do que o hype na internet fazia parecer.

Os Mitos Propagados por Influenciadores Como muitas pessoas interessadas na área, eu havia lido muito sobre as funções de PM nas mídias sociais antes de fazer a mudança. Os influenciadores faziam a vida de PM parecer um sonho – você é essencialmente o “CEO do produto”. Alguns dos mitos comuns que eles propagam incluem:

  • PMs têm autoridade total sobre as equipes de design, engenharia, suporte ao cliente e outras equipes cruciais.
  • O engajamento interfuncional, ou seja, ser a pessoa que une várias equipes, é o “maior trunfo” de um PM. Isso muitas vezes é interpretado erroneamente como um PM devendo se esforçar para ser admirado por todos os stakeholders.
  • Entender e usar frameworks como RICE ou RACI é a chave para o sucesso.

Embora haja alguns pontos válidos nesses conselhos, eles muitas vezes negligenciam as realidades e nuances da função de PM, especialmente no contexto do serviço público. Ao progredir no meu papel de PM no governo, aprendi que a gestão de produtos bem-sucedida requer uma combinação de habilidades técnicas, expertise no domínio, empatia com o cliente e a capacidade de navegar por dinâmicas organizacionais complexas.

A Realidade da Gestão de Produtos no Governo Brasileiro
Então, quais são as realidades que os influenciadores costumam deixar de lado? Aqui estão algumas das principais lições que aprendi:

  1. Frameworks são suplementos, não substitutos Existem muitos frameworks de priorização que os influenciadores de produtos constantemente promovem. Embora sejam bons frameworks para aprender, é importante entender que no trabalho, ninguém se importa com qual framework específico você usa. O verdadeiro trabalho de um PM é identificar as necessidades dos usuários por meio de pesquisa, dominar o espaço do problema e usar frameworks para validar hipóteses e suposições. Nenhum framework pode substituir o tempo gasto em entrevistas com usuários, pesquisas e estudando documentos internos sobre a visão do produto e do negócio. Isso é especialmente verdadeiro no governo, onde os PMs geralmente trabalham em sistemas complexos com múltiplos stakeholders. Aplicar cegamente frameworks sem um profundo entendimento do contexto pode levar a decisões equivocadas.
  2. Conhecimento do domínio é crucial Os melhores PMs vivem e respiram o domínio de seu produto. Eles se mantêm atualizados sobre as tendências do setor e do serviço público, lendo os blogs e publicações mais recentes e aprendendo constantemente. No governo brasileiro, isso significa entender a fundo as leis, regulamentações e políticas públicas relacionadas à sua área. Também requer navegar pelas estruturas burocráticas e hierárquicas únicas das organizações governamentais. Sem esse conhecimento do domínio, é impossível criar um roteiro de produto relevante que atenda às necessidades dos cidadãos dentro das restrições do serviço público.
  3. Habilidades B2B e B2C diferem Muitos dos conselhos nas mídias sociais são genéricos. Mas como PM que trabalha em produtos voltados para órgãos públicos e também diretamente para cidadãos, percebi que as técnicas para pesquisa de usuários, priorização e testes de produtos variam significativamente entre B2B e B2C. Em categorias B2B, como sistemas internos do governo, é mais fácil conversar diretamente com os usuários. Portanto, as habilidades de entrevista e networking de um PM se tornam criticamente importantes para entender as necessidades dos usuários e priorizar recursos. Em B2C, ao construir produtos voltados diretamente aos cidadãos, os PMs dependem mais da análise de dados, já que a base de clientes é muito difusa. Isso significa que os PMs devem ficar confortáveis gastando tempo analisando dados, não apenas fazendo entrevistas com usuários.
  4. Conhecimento técnico aprofundado é fundamental Trabalhar de mãos dadas com equipes de engenharia exige que os PMs tenham uma forte compreensão dos conceitos técnicos e a capacidade de discutir trade-offs sem se esquivar de questões complexas. Dada a escala e complexidade dos sistemas de tecnologia no governo, isso é especialmente crítico. Um PM no serviço público deve ser capaz de mergulhar fundo na arquitetura de sistemas legados, discutir estratégias de API e orientar as decisões de arquitetura. Ignorar ou terceirizar essas responsabilidades técnicas não é uma opção.
  5. Escrever documentos claros e concisos é chave A responsabilidade principal de um PM é vender a visão do produto em toda a organização. Documentos claros, concisos e orientados por dados, como PRDs (documentos de requisitos de produto), são cruciais para articular o problema, a solução, as métricas de sucesso e o plano de lançamento. Isso é ainda mais importante no governo, onde os PMs muitas vezes precisam comunicar conceitos técnicos complexos para públicos não técnicos, como gestores seniores e formuladores de políticas. Ser capaz de escrever documentos persuasivos e envolventes é uma habilidade essencial.
  6. Mergulhar nos dados é crítico Na nossa era de inteligência artificial e machine learning, habilidades de dados são obrigatórias. Os PMs devem ser proficientes em SQL para realizar análises exploratórias de dados e tomar decisões orientadas por dados. No serviço público, onde os conjuntos de dados muitas vezes são fragmentados e incompletos, a capacidade de extrair insights acionáveis dos dados disponíveis é um grande diferencial. PMs que são hábeis em “domar” dados governamentais complexos têm uma enorme vantagem.
  7. O equilíbrio entre os stakeholders é delicado Uma habilidade-chave fortemente promovida nas mídias sociais é ser hábil no engajamento interfuncional. No entanto, isso não significa manter todos felizes a todo custo. Um bom PM deve priorizar o trabalho voltado para as necessidades do usuário e, em seguida, focar na qualidade e velocidade do produto para o sucesso na carreira. Isso geralmente significa dizer “não” mais do que “sim” às solicitações de recursos que não estão alinhadas com seus objetivos de produto e negócios. No governo, onde os stakeholders muitas vezes têm agendas concorrentes e demandas urgentes, administrar essas relações complexas é ainda mais desafiador. Os PMs devem ser diplomatas habilidosos, capazes de gerenciar expectativas e construir alianças enquanto ainda orientam implacavelmente para as metas do produto.
  8. Influência sem autoridade é fundamental Ao contrário de um CEO, um PM não tem autoridade direta sobre as equipes. Ganhar respeito por meio de profundo conhecimento e envolvimento prático é a chave para mobilizar as equipes em torno da visão. No governo, onde as hierarquias e cadeias de comando são rígidas, cultivar influência informal é ainda mais crítico. PMs bem-sucedidos investem tempo em construir relacionamentos, demonstrar credibilidade técnica e comunicar um propósito mais elevado que inspira as equipes.
  9. O gerenciamento eficaz do tempo evita o esgotamento À medida que você cresce na função de PM e assume mais responsabilidades, priorizar as oportunidades alinhadas com os objetivos do produto e da carreira se torna crucial para evitar o burnout e manter a qualidade da produção. Você terá mais solicitações de reuniões em sua agenda do que horas de trabalho disponíveis na semana. Portanto, você precisará proteger seu tempo para poder reservar tempo para escrever documentos de requisitos e realizar pesquisas com usuários – que são o pão com manteiga dessa função. No serviço público, onde as demandas muitas vezes são implacáveis e os recursos limitados, o gerenciamento eficaz do tempo e a definição de limites claros são habilidades de sobrevivência essenciais para os PMs.

Conclusão Embora os conselhos de influenciadores sejam bem-intencionados, aspirantes a PM devem ter cuidado em não tratá-los como verdade absoluta. A gestão de produtos no serviço público brasileiro exige um conjunto multifacetado de habilidades técnicas, estratégicas e interpessoais para navegar por suas complexidades únicas.

O foco excessivo em frameworks da moda e dicas genéricas não irá equipá-lo para os desafios diários de trabalhar com sistemas legados, restrições orçamentárias, stakeholders em competição e burocracia governamental. Em vez disso, cultivar profundo conhecimento do domínio, mergulhar nos detalhes técnicos, tomar decisões orientadas por dados e construir influência informal são as verdadeiras chaves para o sucesso.

Se você está considerando uma carreira como PM no governo brasileiro, esteja preparado para uma jornada desafiadora e gratificante. Você terá a oportunidade de moldar produtos e serviços que impactam milhões de cidadãos e ajudam a construir um setor público mais eficiente e responsivo. Mas também precisará ser resiliente, adaptável e implacável em sua busca para entregar valor em um dos ambientes mais complexos possíveis.

Ao abraçar as realidades da gestão de produtos no serviço público – da profundidade técnica à liderança influente – você pode se preparar para o verdadeiro sucesso impactante nesse campo dinâmico e crucial. A jornada não será fácil, mas para aqueles que perseveram, as recompensas podem ser verdadeiramente transformadoras.

Compartilhe este artigo!

 © Direitos Autorais

Contribua com a promoção de uma cultura de aprendizado responsável compartilhando livremente o conteúdo desta página, lembrando sempre de citar o link de origem e seus autores

Receba em seu e-mail nossa newsletter

Com as principais inovações e notícias da administração pública

Se gostou deste artigo veja outras publicações de nosso site