A publicidade é um princípio fundamental da administração pública, essencial para garantir a transparência e a lisura dos processos licitatórios. No entanto, durante o período eleitoral, a publicidade das ações governamentais, incluindo as licitações, está sujeita a limites e cuidados específicos. Este artigo se propõe a analisar em profundidade os desafios, limites e cuidados necessários na publicidade das licitações durante o período eleitoral, fornecendo orientações práticas para gestores e servidores públicos.
1. O Princípio da Publicidade na Administração Pública
1.1 Base Constitucional e Legal
O princípio da publicidade está consagrado no artigo 37 da Constituição Federal como um dos pilares da administração pública. Ele é reforçado em diversas legislações, incluindo a Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações) e a Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações).
A publicidade nas licitações serve a múltiplos propósitos:
Garantir a transparência dos atos administrativos
Permitir o controle social das contratações públicas
Ampliar a competitividade nos certames
Assegurar a isonomia entre os participantes
1.2 Formas de Publicidade nas Licitações
A publicidade nas licitações se manifesta de diversas formas:
Publicação de editais
Divulgação de resultados
Publicação de extratos de contratos
Disponibilização de informações em portais de transparência
Realização de audiências públicas
2. O Período Eleitoral e suas Implicações
2.1 Definição do Período Eleitoral
O período eleitoral, para fins de restrições à publicidade, inicia-se três meses antes do primeiro turno das eleições e se estende até o segundo turno, onde houver. É neste período que as regras específicas de publicidade entram em vigor.
2.2 A Lei das Eleições e suas Restrições
A Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições) estabelece uma série de restrições à publicidade institucional durante o período eleitoral. O artigo 73, VI, ‘b’ desta lei proíbe, nos três meses que antecedem o pleito, “com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral”.
3. Limites à Publicidade em Licitações durante o Período Eleitoral
3.1 Publicidade Legal x Publicidade Institucional
É fundamental distinguir entre publicidade legal e publicidade institucional:
Publicidade Legal: É aquela exigida por lei para a validade do ato administrativo. Inclui a publicação de editais de licitação, extratos de contratos, etc. Esta não é afetada pelas restrições do período eleitoral.
Publicidade Institucional: É aquela que visa divulgar atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos. Esta é a que sofre restrições durante o período eleitoral.
3.2 Limites Quantitativos
Além das restrições qualitativas, há também limites quantitativos à publicidade. O artigo 73, VII da Lei das Eleições estabelece que, no primeiro semestre do ano de eleição, as despesas com publicidade dos órgãos públicos não podem exceder a média dos gastos no primeiro semestre dos três últimos anos que antecedem o pleito.
3.3 Restrições ao Conteúdo
Durante o período eleitoral, o conteúdo da publicidade relacionada às licitações deve se ater estritamente ao necessário para cumprir as exigências legais de transparência. Deve-se evitar qualquer conteúdo que possa ser interpretado como promoção pessoal de agentes públicos ou que possa influenciar o pleito eleitoral.
4. Cuidados na Publicidade de Licitações durante o Período Eleitoral
4.1 Manutenção da Publicidade Legal
É crucial manter a publicidade legal das licitações durante o período eleitoral. Isso inclui:
Publicação de editais nos meios oficiais
Divulgação de resultados de licitações
Publicação de extratos de contratos
Manutenção das informações em portais de transparência
4.2 Adequação da Linguagem
A linguagem utilizada na publicidade legal das licitações deve ser estritamente técnica e impessoal. Deve-se evitar:
Menções a nomes de agentes públicos
Uso de slogans ou marcas de gestão
Linguagem que possa ser interpretada como autopromoção
4.3 Cuidados com Mídias Sociais
As mídias sociais dos órgãos públicos também devem seguir as restrições do período eleitoral. Recomenda-se:
Evitar posts sobre licitações que não sejam estritamente necessários
Desativar a função de comentários em posts relacionados a licitações
Não utilizar recursos como “stories” ou transmissões ao vivo para tratar de licitações
5. A Nova Lei de Licitações e a Publicidade
5.1 Inovações na Publicidade
A Lei nº 14.133/2021 trouxe inovações importantes quanto à publicidade das licitações:
Obrigatoriedade de divulgação em sítio eletrônico oficial
Centralização da publicidade no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP)
Ampliação dos prazos de publicidade para algumas modalidades de licitação
5.2 Aplicação durante o Período Eleitoral
As inovações da Nova Lei de Licitações quanto à publicidade devem ser aplicadas mesmo durante o período eleitoral, pois se tratam de publicidade legal. No entanto, deve-se ter cuidado para que o conteúdo divulgado se atenha estritamente ao exigido pela lei.
6. Desafios Práticos e Soluções
6.1 Distinção entre Publicidade Legal e Institucional
Um dos principais desafios é distinguir claramente entre publicidade legal e institucional. Para superar esse desafio:
Elabore um guia interno claro sobre o que constitui cada tipo de publicidade
Realize treinamentos com a equipe de comunicação e licitações
Estabeleça um processo de revisão para todas as comunicações relacionadas a licitações
6.2 Manutenção da Transparência
Outro desafio é manter a transparência das licitações sem infringir as restrições eleitorais. Para isso:
Mantenha os portais de transparência atualizados, mas evite destacar realizações
Responda a pedidos de informação de forma técnica e impessoal
Realize audiências públicas quando necessário, mas de forma estritamente técnica
6.3 Lidar com Pressões Políticas
Pressões políticas para aumentar ou diminuir a publicidade de certas licitações podem surgir. Para lidar com isso:
Estabeleça protocolos claros para a publicidade de licitações
Documente todas as decisões relativas à publicidade
Busque orientação jurídica em casos duvidosos
7. O Papel dos Órgãos de Controle
7.1 Atuação Preventiva
Os órgãos de controle, como Tribunais de Contas e Ministério Público, têm um papel importante na orientação sobre a publicidade de licitações durante o período eleitoral. Eles podem:
Emitir recomendações e orientações técnicas
Realizar treinamentos e seminários
Disponibilizar canais para consultas e esclarecimentos de dúvidas
7.2 Fiscalização e Sanções
Além da atuação preventiva, os órgãos de controle também têm a função de fiscalizar e, se necessário, aplicar sanções em casos de descumprimento das regras de publicidade durante o período eleitoral. As sanções podem incluir:
Multas
Suspensão de atos de publicidade irregular
Responsabilização de agentes públicos
8. Boas Práticas na Publicidade de Licitações durante o Período Eleitoral
8.1 Planejamento Antecipado
O planejamento antecipado é fundamental para lidar com as restrições do período eleitoral. Recomenda-se:
Elaborar um calendário de publicações considerando o período eleitoral
Preparar modelos de publicações que atendam às restrições
Antecipar, quando possível, a publicidade de licitações para antes do período de restrições
8.2 Capacitação da Equipe
A capacitação da equipe envolvida na publicidade de licitações é essencial. Isso inclui:
Treinamentos sobre a legislação eleitoral e suas implicações
Workshops sobre redação técnica e impessoal
Simulações de situações que podem ocorrer durante o período eleitoral
8.3 Uso de Tecnologia
A tecnologia pode ser uma aliada importante na gestão da publicidade durante o período eleitoral:
Utilize sistemas de gestão de conteúdo com controles de aprovação
Implemente ferramentas de monitoramento de mídias sociais
Use análise de dados para avaliar o impacto e alcance das publicações
9. Perspectivas Futuras
9.1 Tendências na Publicidade de Licitações
As tendências futuras na publicidade de licitações apontam para:
Maior uso de plataformas digitais e mídias sociais
Aumento da interatividade na divulgação de informações
3. Uso de inteligência artificial para personalizar a entrega de informações sobre licitações
Essas tendências, embora promissoras, devem ser consideradas com cautela durante o período eleitoral, assegurando que a inovação não comprometa a conformidade com as restrições legais.
9.2 Possíveis Mudanças Legislativas
É possível que futuras alterações legislativas busquem equilibrar melhor a necessidade de transparência nas licitações com as restrições do período eleitoral. Possíveis mudanças podem incluir:
Definição mais clara do que constitui publicidade institucional vs. legal
Estabelecimento de regras específicas para a publicidade digital
Criação de mecanismos de controle mais eficientes para a publicidade durante o período eleitoral
10. Estudos de Caso
10.1 Caso 1: Publicidade Excessiva
Situação: Uma prefeitura, durante o período eleitoral, intensificou a divulgação de licitações em suas redes sociais, destacando o volume de investimentos e os benefícios para a população.
Problema: Embora a divulgação de licitações seja necessária, a forma e o conteúdo ultrapassaram o caráter meramente informativo, configurando publicidade institucional.
Solução: A prefeitura foi notificada pelo Ministério Público Eleitoral e teve que adequar suas publicações, limitando-se a informar apenas os dados essenciais das licitações, sem destaque para valores ou benefícios.
Lição: É crucial manter um equilíbrio entre a necessidade de publicidade e as restrições do período eleitoral, focando apenas na divulgação técnica e legal das licitações.
10.2 Caso 2: Suspensão Indevida de Publicidade
Situação: Um estado, receoso de infringir as regras eleitorais, suspendeu toda a publicidade relacionada a licitações durante o período eleitoral, incluindo a publicação de editais em seu site oficial.
Problema: A suspensão total da publicidade, incluindo a legal, comprometeu a transparência e a legalidade dos processos licitatórios.
Solução: Após orientação do Tribunal de Contas, o estado retomou a publicidade legal das licitações, mantendo a divulgação dos editais e resultados, mas sem qualquer conteúdo promocional.
Lição: É fundamental distinguir entre publicidade legal e institucional, mantendo a primeira mesmo durante o período eleitoral.
Conclusão
A gestão da publicidade em licitações durante o período eleitoral é um desafio que requer equilíbrio, conhecimento técnico e atenção aos princípios da administração pública. Embora as restrições impostas pela legislação eleitoral sejam significativas, elas não devem ser interpretadas como um impedimento à transparência e à legalidade dos processos licitatórios.
Os gestores públicos devem buscar um equilíbrio delicado entre a necessidade de manter a população informada sobre as contratações públicas e o respeito às regras eleitorais. Isso requer um planejamento cuidadoso, uma compreensão clara das distinções entre publicidade legal e institucional, e uma abordagem cautelosa na comunicação pública.
É importante ressaltar que as restrições à publicidade durante o período eleitoral não visam impedir a transparência, mas sim garantir a isonomia entre os candidatos e evitar o uso da máquina pública para fins eleitorais. Portanto, a manutenção da publicidade legal das licitações não apenas é permitida, mas é um dever da administração pública.
A adoção de boas práticas, como o planejamento antecipado, a capacitação contínua das equipes e o uso responsável da tecnologia, pode ajudar os órgãos públicos a navegar com segurança pelas complexidades da publicidade em licitações durante o período eleitoral.
Por fim, é fundamental que os gestores públicos mantenham um diálogo constante com os órgãos de controle e busquem orientação jurídica em casos de dúvida. A conformidade com as regras eleitorais, aliada à manutenção da transparência nos processos licitatórios, não apenas evita problemas legais, mas também fortalece a confiança da sociedade nas instituições públicas.
A publicidade em licitações, mesmo com as limitações do período eleitoral, continua sendo um instrumento essencial para a promoção da eficiência, da competitividade e da integridade nas contratações públicas. Cabe aos gestores e servidores públicos utilizá-la de forma responsável e equilibrada, sempre em prol do interesse público e do fortalecimento da democracia.
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