O período eleitoral é um momento crucial para a democracia, marcado por intensos debates políticos e expectativas de mudanças. No entanto, é também um período que frequentemente gera incertezas e, por vezes, equívocos quanto ao funcionamento da administração pública. Um dos mitos mais persistentes é a crença de que as licitações e contratações públicas devem ser interrompidas durante esse período. Este artigo se propõe a desmistificar essa ideia e destacar a importância crucial da continuidade dos processos licitatórios para a eficiente gestão pública, mesmo durante o período eleitoral.

1. O Contexto Legal das Licitações no Período Eleitoral

1.1 A Lei das Eleições e suas Implicações

A Lei nº 9.504/1997, conhecida como Lei das Eleições, estabelece normas para as eleições e impõe certas restrições à administração pública durante o período eleitoral. No entanto, é fundamental entender que essas restrições não incluem uma proibição geral de realização de licitações.
O artigo 73 da Lei das Eleições estabelece uma série de condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais. Entre essas vedações, não há nenhuma que proíba expressamente a realização de licitações. As restrições mais relevantes para o tema são:

A proibição de transferências voluntárias de recursos entre os entes federativos nos três meses que antecedem o pleito, exceto para obrigações formais preexistentes para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado.
A vedação de nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos.

Essas restrições, embora importantes, não impedem a continuidade dos processos licitatórios em geral.

1.2 A Nova Lei de Licitações e o Princípio da Continuidade

A Lei nº 14.133/2021, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, reforça a importância da continuidade e do planejamento nas contratações públicas. O artigo 12 da lei estabelece a obrigatoriedade do Plano de Contratações Anual, que deve ser elaborado com o objetivo de racionalizar as contratações dos órgãos e entidades sob sua competência, garantir o alinhamento com o planejamento estratégico e subsidiar a elaboração das respectivas leis orçamentárias.
Este dispositivo legal evidencia que o planejamento e a execução das contratações públicas devem ser contínuos, não devendo ser interrompidos por períodos eleitorais ou transições de governo.

2. A Importância da Continuidade das Licitações para a Gestão Pública

2.1 Manutenção dos Serviços Públicos Essenciais

A continuidade das licitações durante o período eleitoral é fundamental para garantir a manutenção dos serviços públicos essenciais. Muitos contratos administrativos têm prazos de vigência que coincidem com o período eleitoral, e a interrupção dos processos licitatórios poderia resultar em descontinuidade de serviços cruciais para a população.
Por exemplo, contratos de fornecimento de medicamentos, merenda escolar, manutenção de equipamentos hospitalares, entre outros, não podem ser interrompidos sem graves prejuízos à população. A realização tempestiva de licitações para a renovação ou substituição desses contratos é essencial para a continuidade dos serviços públicos.

2.2 Eficiência na Gestão dos Recursos Públicos

A continuidade dos processos licitatórios também é crucial para a eficiência na gestão dos recursos públicos. A interrupção das licitações pode levar a situações de emergência que justifiquem contratações diretas, muitas vezes mais onerosas para o erário público.
Além disso, o planejamento adequado das contratações, conforme preconizado pela Nova Lei de Licitações, permite uma melhor alocação dos recursos, evitando desperdícios e garantindo que as necessidades da administração sejam atendidas de forma mais eficiente e econômica.

2.3 Manutenção da Segurança Jurídica

A continuidade das licitações durante o período eleitoral também contribui para a manutenção da segurança jurídica. A interrupção injustificada de processos licitatórios pode gerar questionamentos legais e até mesmo ações judiciais por parte de fornecedores e da sociedade civil.
Além disso, a continuidade dos processos licitatórios reforça o princípio da impessoalidade na administração pública, demonstrando que as contratações são baseadas em critérios técnicos e legais, e não em interesses políticos ou eleitorais.

3. Desafios na Continuidade das Licitações durante o Período Eleitoral

3.1 Pressões Políticas

Um dos principais desafios na continuidade das licitações durante o período eleitoral são as pressões políticas. Pode haver tentativas de interferência nos processos licitatórios por parte de agentes políticos, seja para acelerar certas contratações, seja para retardá-las.
É fundamental que os servidores responsáveis pelas licitações estejam preparados para resistir a essas pressões, baseando suas decisões estritamente nos critérios técnicos e legais aplicáveis.

3.2 Incertezas quanto à Continuidade de Projetos

Outro desafio é a incerteza quanto à continuidade de certos projetos após as eleições. Isso pode gerar hesitação na realização de licitações para contratos de longo prazo ou para projetos considerados “de governo” e não “de Estado”.
No entanto, é importante lembrar que a administração pública deve ser pautada pelo princípio da continuidade. Os projetos e programas em andamento devem ser mantidos, a menos que haja uma justificativa técnica e legal para sua interrupção.

3.3 Restrições Orçamentárias

As restrições orçamentárias impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, especialmente nos últimos dois quadrimestres do mandato, podem representar um desafio adicional para a continuidade das licitações.
No entanto, essas restrições não impedem a realização de licitações, mas exigem um planejamento mais cuidadoso e uma atenção redobrada à disponibilidade orçamentária e financeira para as contratações.

4. Estratégias para Garantir a Continuidade das Licitações no Período Eleitoral

4.1 Planejamento Antecipado

O planejamento antecipado é fundamental para garantir a continuidade das licitações durante o período eleitoral. A elaboração cuidadosa do Plano de Contratações Anual, conforme previsto na Nova Lei de Licitações, permite que a administração identifique com antecedência as contratações necessárias e programe adequadamente os processos licitatórios.
Este planejamento deve considerar:

O calendário eleitoral e suas restrições específicas.
Os prazos de vigência dos contratos existentes.
As necessidades futuras da administração, inclusive considerando possíveis mudanças de gestão.
A disponibilidade orçamentária e financeira.

4.2 Transparência e Participação Social

A transparência nos processos licitatórios é sempre importante, mas ganha ainda mais relevância durante o período eleitoral. A administração deve garantir ampla publicidade de todos os atos relacionados às licitações, utilizando não apenas os meios oficiais de publicação, mas também canais de comunicação mais acessíveis à população.
Além disso, a participação social nos processos de planejamento e execução das licitações deve ser incentivada. Isso pode ser feito através de audiências públicas, consultas online, entre outros mecanismos de participação.

4.3 Capacitação Contínua dos Servidores

A capacitação contínua dos servidores envolvidos nos processos de licitação é essencial para garantir a correta aplicação das normas legais e a eficiência dos processos. Isso é particularmente importante no contexto da Nova Lei de Licitações, que trouxe diversas inovações.
Os programas de capacitação devem abordar não apenas os aspectos técnicos das licitações, mas também questões éticas e de integridade, preparando os servidores para lidar com as pressões e desafios específicos do período eleitoral.

4.4 Utilização de Tecnologia

A utilização de tecnologia pode ser uma grande aliada na continuidade e eficiência dos processos licitatórios durante o período eleitoral. A realização de pregões eletrônicos, por exemplo, além de ampliar a competitividade, reduz as possibilidades de interferências indevidas no processo.
Além disso, sistemas informatizados de gestão de contratos e licitações podem auxiliar no planejamento, execução e monitoramento das contratações, fornecendo informações precisas e tempestivas para a tomada de decisões.

5. O Papel dos Órgãos de Controle na Continuidade das Licitações

5.1 Atuação Preventiva

Os órgãos de controle, como os Tribunais de Contas e o Ministério Público, têm um papel fundamental na garantia da continuidade e legalidade das licitações durante o período eleitoral. Sua atuação deve ser prioritariamente preventiva, orientando os gestores públicos quanto à correta aplicação das normas legais.
Nesse sentido, é importante que esses órgãos emitam orientações claras e tempestivas sobre a realização de licitações durante o período eleitoral, esclarecendo dúvidas e dissipando mitos que possam levar à paralisação indevida dos processos.

5.2 Fiscalização Efetiva

Além da atuação preventiva, os órgãos de controle devem manter uma fiscalização efetiva dos processos licitatórios durante o período eleitoral. Isso não significa uma postura de presunção de irregularidade, mas sim uma vigilância atenta para coibir eventuais desvios ou uso indevido da máquina pública para fins eleitorais.
A fiscalização deve ser tempestiva e baseada em critérios técnicos, evitando interferências desnecessárias que possam prejudicar o andamento normal das contratações públicas.

6. A

6. A Importância da Comunicação Efetiva

6.1 Comunicação Interna

A comunicação efetiva dentro da administração pública é crucial para garantir a continuidade das licitações durante o período eleitoral. É fundamental que todos os setores envolvidos nos processos licitatórios estejam alinhados quanto às diretrizes e procedimentos a serem seguidos.
Isso inclui:

Reuniões regulares entre os setores de compras, jurídico e financeiro.
Circulação de informativos internos sobre as regras aplicáveis durante o período eleitoral.
Estabelecimento de canais de comunicação rápida para esclarecimento de dúvidas.

Uma comunicação interna eficiente ajuda a prevenir erros, reduz a insegurança dos servidores e contribui para a celeridade dos processos.

6.2 Comunicação com Fornecedores

A comunicação clara e transparente com os fornecedores também é essencial. É importante que o mercado esteja ciente de que as licitações continuarão normalmente durante o período eleitoral, evitando assim uma possível retração na participação que poderia prejudicar a competitividade dos certames.
Algumas estratégias podem incluir:

Publicação de comunicados nos portais de compras.
Realização de encontros ou webinars com potenciais fornecedores.
Manutenção de canais abertos para esclarecimento de dúvidas.

6.3 Comunicação com a Sociedade

Por fim, a comunicação com a sociedade é fundamental para garantir a transparência e legitimar a continuidade das licitações durante o período eleitoral. A administração deve ser proativa em informar a população sobre:

A importância da continuidade das contratações públicas.
As medidas adotadas para garantir a legalidade e impessoalidade dos processos.
Os mecanismos disponíveis para o controle social das licitações.

7. O Impacto da Continuidade das Licitações na Transição de Governo

7.1 Garantia da Continuidade Administrativa

A continuidade das licitações durante o período eleitoral tem um impacto significativo na transição de governo, caso ocorra uma mudança de gestão. Ao manter os processos em andamento, a administração garante que o novo governo encontrará uma estrutura funcional e contratos vigentes para a manutenção dos serviços essenciais.
Isso é particularmente importante porque:

Evita a necessidade de contratações emergenciais no início do novo mandato.
Permite que a nova gestão tenha tempo para se familiarizar com os processos antes de iniciar novas contratações.
Mantém a estabilidade dos serviços públicos durante o período de transição.

7.2 Transparência na Transição

A continuidade das licitações, aliada a um bom processo de documentação, contribui para uma transição mais transparente. A equipe de transição do novo governo terá acesso a informações atualizadas sobre:

Contratos em vigor
Licitações em andamento
Planejamento de contratações futuras

Essa transparência facilita a continuidade administrativa e permite que a nova gestão tome decisões informadas sobre a manutenção ou alteração de contratos e processos licitatórios.

8. Desafios Específicos em Diferentes Esferas de Governo

8.1 Esfera Municipal

Nos municípios, especialmente os de menor porte, os desafios para a continuidade das licitações durante o período eleitoral podem ser mais acentuados. Isso se deve a fatores como:

Maior proximidade entre agentes políticos e servidores, o que pode aumentar a pressão política.
Limitações de recursos humanos e tecnológicos.
Maior dependência de transferências voluntárias, que são restringidas no período eleitoral.

Para superar esses desafios, é fundamental investir na capacitação dos servidores, na implementação de sistemas de controle e na busca por cooperação técnica com outros entes ou órgãos de controle.

8.2 Esfera Estadual

Na esfera estadual, embora geralmente haja mais recursos e estrutura, os desafios podem estar relacionados à complexidade e ao volume das contratações. Além disso, as eleições estaduais coincidem com as federais, o que pode gerar um ambiente político ainda mais sensível.
Estratégias importantes incluem:

Fortalecimento dos órgãos de controle interno.
Implementação de sistemas robustos de planejamento e gestão de licitações.
Estabelecimento de políticas claras de governança e compliance.

8.3 Esfera Federal

Na esfera federal, embora as eleições municipais não afetem diretamente a gestão, é importante manter a continuidade das licitações para garantir o bom funcionamento dos programas e políticas que impactam os municípios. Além disso, a atuação federal serve como exemplo e referência para as demais esferas.
Pontos de atenção incluem:

Manutenção da regularidade nas transferências de recursos aos municípios.
Continuidade dos processos licitatórios de grandes obras e programas nacionais.
Orientação aos municípios sobre a condução de licitações durante o período eleitoral.

9. O Papel da Tecnologia na Continuidade das Licitações

9.1 Sistemas de Gestão de Licitações

A adoção de sistemas de gestão de licitações é fundamental para garantir a continuidade e eficiência dos processos durante o período eleitoral. Esses sistemas podem:

Automatizar etapas do processo licitatório, reduzindo erros e agilizando os procedimentos.
Fornecer alertas sobre prazos e obrigações legais.
Gerar relatórios de acompanhamento, facilitando o controle e a transparência.

9.2 Plataformas de Compras Eletrônicas

As plataformas de compras eletrônicas, como o Comprasnet, são essenciais para a continuidade das licitações durante o período eleitoral. Elas oferecem vantagens como:

Ampliação da competitividade, permitindo a participação de fornecedores de diferentes localidades.
Maior transparência, pois todos os atos do processo são registrados e acessíveis publicamente.
Redução do contato presencial entre agentes públicos e fornecedores, minimizando riscos de interferências indevidas.

9.3 Inteligência Artificial e Análise de Dados

Tecnologias emergentes, como Inteligência Artificial e análise de dados, podem ser aliadas importantes na continuidade e eficiência das licitações durante o período eleitoral. Essas tecnologias podem ser aplicadas para:

Identificar padrões suspeitos em propostas ou documentações de fornecedores.
Otimizar a formação de preços de referência.
Prever necessidades futuras de contratação com base em dados históricos.

Conclusão

A continuidade das licitações durante o período eleitoral é não apenas possível, mas fundamental para a eficiente gestão pública. Longe de ser um obstáculo, o período eleitoral deve ser visto como uma oportunidade para reafirmar o compromisso com a transparência, a legalidade e a eficiência na administração pública.
Os gestores e servidores públicos devem estar preparados para enfrentar os desafios específicos deste período, munidos de conhecimento técnico, ferramentas adequadas e, sobretudo, comprometimento com o interesse público. A continuidade das licitações garante não apenas a manutenção dos serviços essenciais, mas também contribui para a estabilidade institucional e para a confiança da sociedade nas instituições públicas.
É crucial que todos os atores envolvidos – gestores, servidores, órgãos de controle, fornecedores e sociedade civil – compreendam a importância da continuidade dos processos licitatórios e trabalhem em conjunto para garantir que as contratações públicas sejam realizadas de forma eficiente, transparente e alinhada com o interesse público, independentemente do calendário eleitoral.
Por fim, é importante ressaltar que a continuidade das licitações durante o período eleitoral não é apenas uma questão de eficiência administrativa, mas também um imperativo ético e democrático. Ela demonstra o compromisso do Estado com a continuidade dos serviços públicos e com o respeito aos princípios constitucionais da administração pública, reafirmando que o interesse público transcende ciclos eleitorais e preferências políticas momentâneas.

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