Textos do escritor são uma oportunidade de pensarmos o que mudou no meio ambiente e o que queremos de nossa cidade 

  Por Matheus Delbon

A 19ª edição da Feira do Livro de Ribeirão Preto trouxe como um de seus destaques o escritor, meu conterrâneo, e mais novo membro da Academia Brasileira de Letras, Ignácio de Loyola Brandão. A justa homenagem e o reconhecimento me fizeram viajar no tempo quando ainda adolescente aguardava a chegada do “Estadão” de sexta-feira para ler sua coluna, com uma constante pergunta em mente: será que ele escreveu sobre Araraquara?   

 E, para minha alegria, rotineiramente ele escrevia, me possibilitando mergulhar em uma Araraquara única, com personagens e locais reais, alguns atuais outros de tempos que não vivi, mas que me rendiam boas conversas com meus pais e minha avó que desembestavam a contar suas histórias por meio dos elementos trazidos por Loyola. Bons momentos por ele plantados nos cafés da manhã de minha casa, oportunidades de pensarmos sobre o que mudou em nosso meio ambiente e o que queremos de nossa cidade.   

 Talvez outros escritores escrevam também sobre sua cidade natal com a mesma beleza, mas Loyola escreve sobre a minha. Lendo seus textos, conseguia me colocar nos lugares, podia visitar os lugares por ele descritos e, algumas vezes, ver a minha própria história se conectando com suas obras, como em seu livro “A altura e largura do nada”, em que descreve minha tia avó como uma das jovens mais belas e cobiçadas de Araraquara, criando em minha mente uma imagem muito diferente da velhinha simpática que hoje padece de Alzheimer e passa seus dias tocando piano.   

 Também no prefácio de “Os códigos da cidade oculta”, comentou uma foto da casa construída por meu bisavô “… uma casa da Rua São Bento, parece simbolizar um pouco o espirito de nosso povo, fechado, desconfiado, quase impenetrável, rigoroso…”. Como não pensar o quanto este “espírito de nosso povo” teriam me moldado, já que fora ali que passei minhas primeiras noites ao sair da maternidade, dei meus primeiros passos, minhas primeiras brincadeiras ou mesmo aprendi a datilografar (para os mais jovens era assim que chamávamos “digitar”) na máquina de escrever com meu avô. Ainda hoje trabalho ali todos os dias por ser a sede de minha empresa.   

 Uma vez, Loyola indagou se um dia teriam plaquinhas informando aos visitantes que ele estivera ali. Foi em sua crônica “Em Paris dividi o quarto com Garcia Márquez”, em que descreve o fato de ter uma placa de bronze no hotel dizendo que: “neste hotel em 1957 Gabriel Garcia Márquez prêmio Nobel escreveu seu romance Ninguém escreve ao coronel”. O comentário é sobre o fato dos franceses espalharem placas pela cidade informando que um escritor, artista ou personalidade histórica estivera ali, morou ou fez algo de relevante.   

 Quanto a Paris eu não sei, mas em Araraquara ou Ribeirão Preto certamente elas poderiam se espalhar como forma de promover nossa identidade e desenvolver até mesmo a economia, coisa que Loyola já o fez ao escrever a crônica “Coxinhas douradas de Bueno de Andrada”, que deu fama a um pequeno distrito de Araraquara, para onde gente de todas as partes viajam para degustar as tão famosas coxinhas, agora com filiais em Ribeirão Preto.   

 Nossos escritores são um patrimônio imaterial a ser utilizado em nossas cidades. Eles têm o poder de trazer a imaginação literária ao mundo real, possibilitando vivenciar o que eles viveram. E não há nenhum mal em promover a economia criativa por meio dos locais por onde passou ou que lhe serviram de inspiração.   

 Eu gostaria de poder tomar chopp no Pinguim na mesa que Loyola esteve, após percorrer 700 km em uma viagem literária pelo Estado, que culminava na feira do Livro de Ribeirão. Sentou- se para tomar um chopp escuro com o também escritor Menalton Braf, esperançoso sobre a literatura brasileira, como descreveu em sua crônica “O futuro não é tão sombrio”, em 2010.   

 Fica a dica aos administradores do Pinguim: colocar uma plaquinha ou mesmo a estátua do escritor tomando seu chopp escuro. Isso certamente garantiria dezenas de fotos e curtidas em redes sociais, conectando o marketing moderno à literatura e, quem sabe, estimulando novos leitores a conhecer o escritor.   

 Percorrer minha cidade em busca dos locais descritos por ele em suas crônicas e livros ainda é um divertimento que tenho. Mas poderíamos ir além de seus fãs e despertar o interesse ou a economia criativa desses locais, como a esquina da Rua São Bento com a Avenida Duque de Caxias, em Araraquara, em que Loyola conta em uma de suas crônicas que Pelé e Jean-Paul Sartre teriam se cruzado sem se reconhecerem.   

 Imaginar um dos maiores atletas e filósofos do século passado em uma simples esquina de uma cidade do interior de São Paulo certamente faria muita gente imaginar o que teriam conversado se tivessem se reconhecido, se ali houvesse alguma referência à sua crônica, como temos no Bar do Freitas e suas famosas coxinhas de Bueno.   

 Acredito que as tais placas irão surgir pouco a pouco, mas ainda bem que conseguimos ir além, como fez o nosso time de futebol, a Ferroviária, que homenageou Loyola com a camisa 11 (número de sua cadeira na Academia Brasileira de Letras). Ele também deu o pontapé inicial no jogo de estreia do Campeonato Brasileiro, unindo a paixão do futebol à literatura, um gol da diretoria da AFE!   

 Quer entender mais sobre este momento? É só dar uma busca pela crônica “A emoção do escritor diante do pontapé inicial”, publicada no Estadão, no último 24 de maio. Você vai sentir a emoção do ato e também a alfinetada do autor na Unesp, Eeba e Colégio Progresso, lugares por onde passou e espera a sua plaquinha. 

  

* Esta crônica que você está lendo faz parte do livro “CIDADES EFICIENTES: Crônicas da administração pública”, de autoria de Matheus Delbon.

O autor gentilmente autorizou a republicação deste texto, desde que a fonte seja devidamente citada e o conteúdo não seja alterado ou adaptado de qualquer forma.

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A obra é uma coletânea de crônicas que aborda de forma brilhante o tema da administração pública e suas complexidades. Além disso, a linguagem simples e direta do autor torna a leitura acessível a todos.

Agradecemos sua atenção e esperamos que tenha apreciado a crônica. Não deixe de adquirir o livro completo e mergulhar nas incríveis histórias e reflexões de Matheus Delbon.

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